A existência tem um significado?
Coluna originalmente publicada no Ecoa UOL.
A vida tem um significado em si? Ou é apenas aquele que tiramos dela, aquilo que interpretamos?
Eu acredito na primeira opção.
Ao olhar árvores e seres vivos, por exemplo, há essa força em direção ao florescimento, à abundância interconectada e miraculosamente diversa, em uma exibição em constante transformação, em um tipo de transitoriedade infinita. Incluindo humanos.
Um livro ótimo que estou lendo que explora esse tema é "More Than Allegory", do filósofo contemporâneo Bernardo Kastrup. Seus livros realmente são um achado precioso, girando em torno da filosofia idealista, com uma formulação moderna e extremamente convincente.
Não pretendo destrinchar esse vasto tema, apenas fazer um paralelo com o momento atual. Mas, explicando de modo simplista, o idealismo afirma que a natureza da realidade não é material e, sim, mental.
Essa é uma visão de mundo bastante antiga, defendida por diversos grandes filósofos e até cientistas — como uma consequência de experimentos quânticos e também da visão da neurociência. Não se trata de afirmar que o mundo é um projeção da mente individual, mas sim que a "substância" do universo que percebemos é mental. Cada forma ou ser biológico sendo a aparência de uma instância dessa "grande mente".
Bernardo costuma apresentar diversos argumentos que refutam a noção materialista dominante. Mas esse não é ponto deste texto. O que posso dizer é que acompanho esse tema há muitos anos e nunca tinha encontrado uma formulação tão consistente.
Isso tudo pode parecer bastante abstrato e sem relação com o dia-a-dia, mas há sim impactos decisivos na vida. Essa visão de mundo tem o poder de colorir todos os aspectos de nossa existência. Por exemplo, sobre a questão inicial deste texto: uma das características que definem aquilo que é mental é a presença de significado e propósito.
Em relação ao mundo natural, ele então não seria composto de recursos aleatórios (ou inconscientes) a serem explorados, pois tem a mesma natureza que nós. Na verdade, não seria preciso invocar o idealismo para chegar nisso, bastando o fato de que também somos seres de um ecossistema.
Mas, se tudo tiver a mesma natureza mental, há um significado ou propósito maior que não estamos enxergando: a vida não seria um conjunto de acasos, em que precisamos interpretar significados construídos. A própria ideia de separação — eu aqui, o resto ali — seria um tipo de ilusão de ótica, já que todas as formas de vida seriam apenas expressões ou aparências de uma "realidade mental mais ampla". Em visões espirituais, como o budismo, essa realidade maior é a base de onde surge o amor desinteressado, por exemplo.
Essa visão penetrante acaba também comprometendo o sentido predominante de acumulação e "progresso" material, às custas da exploração alheia, que norteia a economia nas sociedades.
A difusão em larga escala dessa visão poderia ter reflexos muito benéficos em nossa relação com o mundo natural, entre outros; não se restringindo às florestas, oceanos etc. Como a atual emergência ambiental demonstra, o colapso ambiental é o nosso próprio.
Imagino que a importância de tal mudança de paradigma não deveria ser subestimada.
Políticos e corporações vêm e vão. Podemos apenas continuar oscilando entre governos mais destrutivos ou menos, num catastrófico rumo sem destino ou mal direcionado. Isso deve continuar enquanto a política e economia, por exemplo, não refletirem o cuidado com toda a vida, a partir de um reconhecimento profundo sobre o que ela é.
Por exemplo, sinto-me bastante aliviado, mas ao mesmo tempo frustrado, com o novo governo brasileiro. Aliviado pois há um retorno para certa sanidade na área socioambiental. Frustrado pois não vejo indicações de uma mudança realmente sistêmica em direção a uma grande transição viável; ou então porque, nos últimos anos, a maioria da preocupação e luta teve que estar concentrada em simplesmente não darmos continuidade a uma aberração sociopolítica, sob o risco de não haver chance de nenhuma outra mudança significativa.
Infelizmente, a luta para impedir ressurgimentos protofascistas é uma situação não apenas brasileira. E isso se soma a todas as outras crises interligadas.
Mas, como costuma ser dito sobre causas difíceis, "esta é uma luta para ser lutada e não, necessariamente, vencida". Independentemente da grandeza do monstro a ser pacificado, e toda a complexidade nas ramificações de seus tentáculos, ainda sinto que vale a pena não desistir da natureza maior em toda sua imensidão, essa realidade que nos trespassa, transcende e também nos dá nossa própria vida.
A grande ativista e pensadora Joanna Macy recentemente esteve em uma live (em que ajudei com uma participação) com a comunidade brasileira de seu Trabalho Que Reconecta, para o lançamento de seu livro "Nossa Vida Como Gaia".
Uma frase sua que me marcou foi: "É importante estarmos contentes de estar aqui." Aqui, neste momento tão difícil de nossa coexistência neste planeta, porque essa dificuldade não impede o reconhecimento de todo o esplendor imanente e transcendente de toda a vida ou existência, o reconhecimento que possibilita as ações necessárias.
Como disse também Eliane Brum em um artigo na revista inglesa The Ecologist:
"Mas lutar, para mim, é lutar como uma floresta. É viver ferozmente, sendo encantada por cada pedaço de vida, escancarando cada abertura que a vida traz."