Imagem: Domínio público/PxHere
Um trecho do livro "Less is More", de Jason Hickel:
“Não é nenhuma surpresa que reagimos tão despreocupadamente aos números que não param de crescer sobre a crise da extinção em massa. Estamos habituados a receber essas informações com surpreendente calma. Não choramos. Não nos agitamos. Por que?
Porque vemos os humanos como fundamentalmente separados da comunidade da vida restante. Aquelas espécies estão lá fora, no meio ambiente. Não estão aqui, não são parte de nós.
Não surpreende que nos comportamos assim. Afinal, esse é o princípio fundamental do capitalismo: o mundo não é algo vivo de verdade, e certamente não é da nossa família, mas sim trata-se apenas de coisas a serem extraídas e descartadas — e isso inclui a maioria dos seres humanos vivendo hoje aqui. Em seus princípios centrais, o capitalismo se declara em guerra contra a própria vida.
Descartes argumentou que o propósito da ciência era "nos tornarmos mestres e donos da natureza". 400 anos depois essa ética continua profundamente enraizada em nossa cultura. Não apenas encaramos o mundo natural como uma outra coisa, nós o vemos como um inimigo — algo que precisa ser combatido e subjugado com os poderes da ciência e da razão.
Quando executivos do Google criaram uma nova empresa de ciência natural em 2015, eles a batizaram de "Verily" ("verdadeiramente"). Solicitado a explicar esse nome incomum, o CEO da Verily, Andy Conrad, disse que ele foi escolhido porque "apenas com a verdade iremos derrotar a Mãe Natureza".”
Ao mencionar "capitalismo", Hickel não está se referindo ao "oposto de comunismo" — afinal governos socialistas podem ser tão destrutivos quanto — mas sim ao dogma de que é preciso um crescimento econômico infinito para países, empresas e pessoas ricas, às custas do mundo natural finito.
Seu livro defende uma economia em decrescimento, conceito que vem ganhando cada vez mais espaço, sobre reduzir nosso consumo predatório, regenerando nossa relação doente com a natureza, abrindo mão desse dogma de crescimento que só beneficia bilionários.
Leia a Circular em sua caixa de entrada:
Abri a coluna com esse trecho pois os desastres ambientais e políticos que permeiam o noticiário são basicamente as consequências dessa visão de mundo aberrante. Por exemplo...
Necropolítica do lucro
Diante da atual emergência climática e ecológica, que inclui o ecocídio na Amazônia...
... e ondas de calor mortais...
... o Brasil fica de fora do acordo global para reverter a extinção em massa de espécies...
... e vai continuar incentivando carros a combustão!
Já a gigante mundial dos combustíveis fósseis ExxonMobil planeja aumentar as emissões de gases do aquecimento com o equivalente ao que a Grécia emite de CO2 anualmente.
Luz no fim do túnel
Em meio a esse cenário apocalíptico, é fundamental não perdermos de vista que outro mundo é sim possível. Nessa linha, a organização The Leap lançou o curta "Uma mensagem do futuro 2". A animação imagina um futuro distante em que conseguimos fazer o que precisava ser feito. Então, olhando de volta para 2020, conta nossa possível história. (há opção de legendas em português no vídeo:)
Apenas mudar hábitos resolve?
Foi lançado também o documentário "Kiss the Ground", sobre como técnicas mais orgânicas para lidar com o solo podem sequestrar o dióxido de carbono responsável pelo aquecimento global. O filme é bom e informativo, mas cria um otimismo meio falso, já que no final deixa a solução no campo das mudanças de hábitos individuais e ignora a política e economia da destruição.
Ficou já um pouco tarde para resolvermos essa emergência apenas com mudanças de hábitos. Nessa linha, veja esse post da excelente newsletter Clímax:
Para ler com calma
Sobre desmatamento, confira também a série especial que o New York Times fez sobre a destruição amazônica, com opção de ler em português.
Veja também a checagem de fatos do Fakebook.eco sobre o velho conto de que o Brasil seria o país que mais preservou as florestas.