Em todas as grandes religiões existem essas vozes, mas isso vem tão forte das indígenas: a Terra está viva, e a Terra é sagrada. Isso segue, porque se a Terra é tudo o que temos, então somos totalmente dependentes dela, e então ela é sagrada para nós. Então, que acordemos neste tempo para o sagrado dentro do qual vivemos e pelo qual somos nutridas, o corpo vivo e sagrado da Terra e sua inteligência, a inteligência dela/dele. E não apenas isso, mas sinto que neste tempo os perigos que enfrentamos estão criando uma enorme pressão evolutiva sobre nós para acordarmos para nossa verdadeira natureza. Temos que acordar para isso ou estamos fritas, totalmente.
—Joanna Macy
Em homenagem à grande Joanna Macy, falecida em 19/07/2025, a Emergence Magazine republicou uma entrevista em seu podcast, de 2018.
É uma conversa profunda e significativa, de muita relevância hoje.
Também homenageio publicando a tradução da transcrição.
Saiba mais: Trabalho Que Reconecta.
Círculos em expansão
Uma entrevista com Joanna Macy
Nesta entrevista, a ecofilósofa budista e autora Joanna Macy fala sobre sua vida e obra. Desde seu ativismo antinuclear no final dos anos 1960 até seu trabalho com a ecologia profunda, Joanna expressa a necessidade de viver dentro de uma ética de cuidado com a Terra.
Joanna Macy: Eu gostaria de começar apenas centrando por um minuto…
Emergence Magazine: Claro.
JM: …e uma oração de gratidão.
Amada mãe, pai, amante, Terra, nosso eu maior, nosso corpo maior, somos tão gratas por receber uma vida humana justamente agora, neste tempo de tanta angústia, turbulência, em que tanto sufocamento, sofrimento e perda estão ocorrendo. E somos tão gratas por nos terem dado identidade humana e uma voz humana, para que possamos participar dos conselhos humanos. E ajuda-nos a estar cada vez mais plenamente conscientes das bênçãos de fazer parte da tua inteligência. Assim seja.
Ok.
EM: Bem, eu queria te perguntar sobre sua juventude, porque ouvi você falar sobre como teve algumas experiências místicas muito impactantes na natureza quando estava na fazenda do seu avô, no interior do estado de Nova York. E eu fiquei realmente curioso, no contexto desta conversa sobre como sua relação com a Terra mudou e se aprofundou ao longo do tempo e como isso influenciou seu trabalho e as muitas maneiras pelas quais você trouxe à tona conversas e conexões com a Terra ao longo de cinquenta anos, acho, de trabalho em tantos modos e esferas. Aquele primeiro momento de ter uma conexão com a Terra e reconhecer algo vivo ali — como foram essas experiências para você?
JM: Eu tinha nove anos quando comecei a ir passar os verões na fazenda do meu avô. Era no oeste de Nova York, a algumas milhas ao norte do Erie Canal. E era muito simples: nos primeiros anos não havia encanamento dentro de casa, um arado puxado por cavalo, alguns porcos, uma dúzia de vacas, galinhas, cavalos e assim por diante. Ao mesmo tempo eu havia sido levada para morar na cidade de Nova York, e eu odiava aquilo: o barulho, a fuligem, morar no alto de um apartamento. Não tínhamos carro, então simplesmente esperávamos o fim da escola e íamos pra lá no verão. E essa viagem da Grand Central no Empire Express, de trem até Buffalo — oito horas — era como nos aproximarmos das Portas do Paraíso, sair da prisão. Então o silêncio daquelas paisagens, o solo — havia bastante tédio para uma menina da minha idade, que agora penso ser ótimo, porque eu vagava muito. E me deram um cavalo para cuidar. Ele foi dispensado de suas obrigações de trabalho de tração, e eu podia montá-lo e cuidar dele. E imagens daquela época — a maneira como o riacho fazia uma curva e todos os pequenos lagostins nele — ainda me vêm. Ou entrar num canto do bosque e ver um dos nossos cavalos desaparecer nele. Isso é como a matéria das minhas formações neurais no cérebro. Onde o sol ficava no verão enquanto se movia para o sul, enquanto se punha. Eu sentia que havia muito tempo, e meu povo vindo de longe, e meu mundo cheio de seres irmãos/irmãs como gatinhos e cachorros e o bezerro que criávamos.
A cada ano que passa eu sou mais grata por aquele tempo. E quando escrevi minhas memórias, comecei exatamente ali. Comecei o livro de memórias com um senso de quem e do que eu sou, que recebi sentada no meu lugar favorito, na árvore ácer. E nunca foi mais que um terço do ano no máximo, frequentemente só um quarto do ano. Isso foi intenso o suficiente para me dar imagens e uma conexão de coração, uma ressonância sentida, uma ressonância emocional, que tem sido um ponto de referência para mim por… vamos ver, vejamos: eu tenho quase oitenta anos a mais do que a menina de nove anos que chegou pela primeira vez.
EM: E como essas experiências, essa noção de afinidade ou amizade ou vivacidade que você sentia, como isso se encaixou com sua criação cristã e com as noções de Deus e relacionamento ou…
JM: Muito bem, porque, veja, éramos uma família de protestantes bem liberais. Então eu amava os hinos de São Francisco, e eu gostava do sentido de pertencimento. Mas houve, mais ou menos na época em que eu deixei a fazenda, dicotomias na religião entre carne e espírito, e pessoas que diziam extra Ecclesiam nulla salus — nenhuma salvação fora da igreja. E não que eu tivesse ouvido isso tanto, mas eu estava tão apaixonada pelo sagrado que decidi estudar teologia e as escrituras. E foi aí que os problemas começaram para mim, e finalmente, na época em que estava me formando na faculdade, tive que sair da igreja.
EM: E nessa época, como isso afetou sua relação com a natureza, esse começo da…
JM: Bem, a natureza foi o que restou.
EM: E isso foi quando você estava…
JM: Depois de sair da faculdade.
EM: Então você estava na França nessa época?
JM: Sim, na minha juventude adulta e no meu casamento com meu marido. Ele me levou para o mundo natural mais do que eu jamais tinha ido. E acampávamos e remávamos em canoas, eu estava nas montanhas, eu esquiava. E houve um imenso senso de exaltação diante daquela beleza. Nós mal falávamos, e éramos duas das pessoas mais tagarelas uma com a outra. Quando estávamos juntos, conversávamos sem parar, mas não enquanto acampávamos. Era como estar numa catedral, sabe. Você não começa uma conversa em voz alta dentro de uma catedral.
EM: E isso foi em meados dos anos 60, naquela época?
JM: Bem, eu me casei no começo dos anos 50, em 53. Sim.
EM: Então, isso foi antes de você fazer seu trabalho no Peace Corps?
JM: Isso mesmo.
EM: Porque me impressionou ao saber sobre sua experiência lá com os refugiados tibetanos. Parecia o momento certo, no lugar certo, depois do conjunto certo de experiências que abriram algo em você que permitiu que estivesse presente para aquela experiência, pelo menos da minha perspectiva externa.
JM: Eu sei, é extraordinário como fui afortunada com esse desenrolar.
EM: E, imagino, naquele ponto você ainda não havia encontrado um caminho espiritual ou religioso fora de suas experiências na natureza que te tocaram e fizeram silêncio em você e no seu marido nessa grande catedral.
JM: Era essa qualidade de presença deles no mundo. Eu simplesmente nunca tinha conhecido pessoas assim. E eles haviam saído, doentes, exaustos, com apenas as roupas nas costas e os objetos sagrados que carregaram, através de períodos de cegueira-da-neve [Fotoceratite] pelas montanhas. Mas a qualidade de ser deles era ver tudo como se fosse pela primeira vez. E eu nem sei se conhecia essas palavras; mas quando atravessei naquele Losar, o Ano Novo Tibetano, numa manhã pelo campo de chá onde eles estavam agachados, esses tibetanos do leste, e ouvi as longas trompas para seu puja matinal e vi os altos mastros com tecidos ondulando, e houve apenas: “Oh… sim… eu mereço receber isto.”
EM: E isso foi depois do seu trabalho antinuclear?
JM: Sim.
EM: Mas seu trabalho antinuclear parece ter tido um papel muito influente na sua vida, e esse conceito de tempo que emergiu daí.
JM: Sim. Fui pega por um chamado, através do trabalho de fim de semestre do meu filho quando ele era calouro. Foi quando ele voltou pra casa do seu primeiro ano em Tufts, Engenharia Ambiental, e me entregou dizendo: “Mãe, talvez você se interesse por este trabalho que escrevi.” E eu disse: “Bem, tenho certeza de que vou adorar ler.” E quando o li, mudou minha vida, porque falava sobre a poluição das usinas nucleares — nem mesmo a radioatividade, apenas a poluição térmica que estava mudando os cursos d’água e as águas costeiras. Cada reator precisa de tanto fluxo de água que contamina cada colherada dele.
Eu achei isso tão horrível. E assim, antes do fim do ano, me juntei a ele em seu grupo de afinidade protestando a construção de Seabrook, o reator de Seabrook, em New Hampshire. E então veio a avalanche. Eu estava apenas aprendendo tanto.
EM: Como você contou essa história no passado, havia algo em você que se sentia compelida a agir de uma maneira que talvez não tivesse antes.
JM: Sim, isso mesmo. Não havia dúvida. O que me incomodava era que eu estava descobrindo toda essa informação de como a Virginia Electric Power Company estava empilhando suas hastes de combustível [fuel rods] gastas muito próximas umas das outras. Era ilegal e corria risco de uma ação crítica, uma explosão. Então, eu fui para me juntar a eles, e fiz isso simplesmente porque estava tão desanimada. Caí em uma espécie de abismo moral de questionar se a vida humana, mesmo formas de vida complexas, poderia continuar, que éramos tão estúpidos. Não estava clinicamente deprimida, mas em desespero…
EM: Mas você estava sentindo o que era avassalador sobre aquela questão em particular.
JM: Sim. Mas, felizmente, fiquei muito interessada no porquê das pessoas conseguirem se desviar de querer até mesmo falar sobre os perigos que enfrentamos. Eu recebia muita informação, mas as pessoas não queriam ouvir quando eu levantava o assunto numa reunião ou num jantar. As pessoas não diziam: “Ah, fico tão feliz que você trouxe o tema da energia nuclear.” E então pensei, por que estamos evitando o que precisamos saber? O que é isso? E comecei a ler o psiquiatra Robert Jay Lifton e seu trabalho sobre o que chamou de “entorpecimento psíquico”. Ele havia feito um estudo dos efeitos do bombardeio nuclear sobre o povo de Hiroshima e Nagasaki. E então descobriu que o mesmo acontecia com as pessoas que fizeram a bomba. E nós também não queríamos olhar para isso. E então encontrei muitas coisas que não queremos olhar. Não queremos olhar para as estatísticas sobre defeitos congênitos e abortos em torno de instalações nucleares. Então isso me levou a experimentar. Por que não queremos saber disso? É porque não é patriótico? É porque pensamos que somos loucas? É porque temos medo da dor moral? O que é? E essa curiosidade foi como um pequeno anzol que me puxou para fora do desespero horrível. Então comecei a experimentar, porque também eu dava aulas de meditação e usava isso. As pessoas poderiam reagir à dor mental e moral? E como? Ou como podem falar sobre o que é difícil sentir? E isso foi incrivelmente revelador para mim. E a partir disso construí uma forma de trabalho em grupo que me levou até onde estou hoje.
EM: Com o trabalho do luto? Isso foi o início do trabalho com luto?
JM: Nós chamamos de trabalho do desespero. E então escrevi um artigo sobre isso. Mas esse artigo, que falava sobre como lidar com o desespero, gerou centenas de cartas, mais do que jamais tinham entrado na revista. E embora eu não tenha dito às pessoas — eu só disse como lidávamos, quando descobri o que o desespero realmente era —, era uma forma de cuidado profundo, que era uma boa notícia sobre nós; e não ter medo disso; e as maneiras de viver com isso; e como você pode transformá-lo em ação. Cada pessoa — ninguém disse “você não nos contou como resolver todos os nossos problemas ou qualquer coisa, nem sequer uma… mas obrigado” —, elas disseram “obrigada, obrigada, por me mostrar que não estou louca”.
EM: Mmm.
JM: E então fui convidada a fazer oficinas sobre esse artigo, e eu disse, bem, eu não…
EM: Você queria ser professora universitária.
JM: Sim.
EM: Mas a vida estava te puxando para outra direção.
JM: Sim. E isso pegou muito rápido, e havia pessoas se juntando a mim. Foi realmente… eu estava convidando-as a explorar e expressar seu desespero, sua indignação, seu luto, seu medo, seu pavor. E havia muito disso, porque isso ainda era a Guerra Fria, e Ronald Reagan estava sendo eleito, e havia a corrida de armas nucleares. E eu nunca tinha visto tanta hilaridade, essa simples… essa libertação, porque nós estávamos reconfigurando. Não estávamos patologizando nosso luto e desespero, que é o que a cultura dominante faz com a ajuda da indústria farmacêutica.
Então isso é normal. É construtivo. Mas então o que notei, elas começaram a falar como se tivessem uma mudança de identidade, de ser um indivíduo separado para ser a Terra. Muitas vezes não era em tom de brincadeira, mas você podia sentir que elas tinham uma expansão do sentido de sua própria autonomia e relevância pessoal. E assim pensei “bem, isso certamente demonstra paticca-samuppada”, que é o termo budista para nossa interdependência, nossa interexistência, nosso interser. Caramba, isso foi demonstrado, e eu nem esperava!
Mas então ouvi o termo “ecologia profunda” e o termo que vinha com ele, o “eu ecológico”, que quando amadurecemos, uma maturação natural do humano é em direção a campos mais amplos de relevância e cuidado, e que seu interesse próprio se expande de ser só o que te afeta dentro do seu saco de pele para aquilo que expande sua família ou tribo ou país até o que acontece com a Terra. E eu vi isso. Eu disse “ah, as pessoas, estamos experimentando isso”. Além disso, não apenas o “eu ecológico”, mas no budismo há o termo “bodisatva”, a pessoa de coração sem limites, que nem sequer entrará e descansará no nirvana até que cada lâmina de grama esteja iluminada, para que todos os seres sejam libertos do sofrimento.
EM: Quero dizer, parece que foi uma convergência em sua vida dessas diferentes experiências que você teve: os ensinamentos budistas que você tinha estudado e praticado por, eu imagino, naquele ponto, quase vinte anos; a experiência do trabalho do tempo profundo de estar ciente dos impactos dos sistemas de energia nuclear que estavam sendo desenvolvidos; o luto que você havia experimentado, e então tudo se reunindo num momento poderoso. O que isso fez em você, pessoalmente, quando você sentiu esses mundos convergindo?
JM: Bem, muitas palavras: alegria, humildade, gratidão. Acho que gratidão acima de tudo. E, circunstancialmente, na nossa jornada planetária, as coisas estão muito mais assustadoras e muito mais destrutivas agora. Mas eu ainda sustento, desde… quando? Trinta anos desde que a palavra “ecologia profunda” surgiu. Eu estava dando um nome ao que eu já vinha experimentando; porque eu não planejei isso. Aqui estava isso. Eu chamei de uma mudança de identidade.
As pessoas estavam agindo como se fossem mais que seu eu separado, mas não de modo controlador, nem exibicionista, mas humildemente. E meu sentimento é, aconteça o que acontecer — e isso me dá lastro, Emmanuel — isso me dá a sensação de que eu tenho muito luto pelo que estamos fazendo ao nosso mundo e ao futuro. Mas sei ao mesmo tempo que aconteça o que acontecer, eu não… não há nada que possa acontecer que jamais me separe do corpo vivo da Terra. Nada. É quem somos, e isso é tão vasto. Minha mente só é capaz de experimentar esse tanto do que existe para experimentar e estar aberta para. Ainda sou pequena em minha imaginação e poder intelectual para realmente absorver o que isso significa. Mas o pouco que ofereci deu um conforto tremendo. Nada poderá jamais me arrancar do corpo vivo da Terra, aconteça o que acontecer, ou a todas nós. Então já estamos em casa
EM: Esse trabalho tem sido muito poderoso para tantas pessoas nesses últimos trinta anos, que, eu acho, sentiram o que você estava descrevendo também: o poder daquela perspectiva maior e daquela forma de ser em relação. E ainda assim, como você disse, os tempos são difíceis. E mesmo hoje estamos sentados provavelmente em um dos dias mais quentes já registrados na Bay Area em outubro, e incêndios têm queimado na North Bay.
JM: E eu estou consciente sobre o tipo de conforto, você sabe, eu poderia ver alguém em Santa Rosa dizer: “Que tipo de conforto é esse? Eu perdi tudo o que tinha, foi tudo reduzido a cinzas. Não me resta nada.” E eu senti aquele medo eu mesma ontem à noite depois dos ventos enormes e do calor. Sinto tal assombro porque neste exato período — em que estamos metendo a gente num problema tão grande como humanos neste planeta, ou como vida neste planeta — houve dois grandes rios na jornada humana, espiritualidade e ciência. E nos nossos primeiros dias, elas eram entrelaçadas, mas foram horrivelmente separadas ao longo dos séculos, e temos sido despedaçadas por isso. E agora, em nosso tempo, elas estão fluindo juntas, e a promessa disso é enorme.
Em todas as grandes religiões existem essas vozes, mas isso vem tão forte das indígenas: a Terra está viva, e a Terra é sagrada. Isso segue, porque se a Terra é tudo o que temos, então somos totalmente dependentes dela, e então ela é sagrada para nós. Então, que acordemos neste tempo para o sagrado dentro do qual vivemos e pelo qual somos nutridas, o corpo vivo e sagrado da Terra e sua inteligência, a inteligência dela/dele. E não apenas isso, mas sinto que neste tempo os perigos que enfrentamos estão criando uma enorme pressão evolutiva sobre nós para acordarmos para nossa verdadeira natureza. Temos que acordar para isso ou estamos fritas, totalmente.
EM: Você teve uma vida rica, para dizer o mínimo, e experiências que te levaram uma após outra a aprofundar essa exploração, aprofundar essa jornada, aprofundar essa conversa com a Terra, e acordar algo em você que te levou a despertar algo nos outros. E seu trabalho fez isso de tantas maneiras por trinta anos. Mas eu fico sempre com essa pergunta agora, porque eu também sinto essa possibilidade emergente e o clamor da Terra para ser reconhecida de novo e para ser ouvida e escutada. Mas também me pergunto como as pessoas podem aprender a escutar de novo. Às vezes pode levar uma vida inteira para aprender a ouvir. Acho que a grande pergunta é: como aprendemos a escutar se não temos tempo para fazer uma jornada como a sua ou entrar no trabalho que você ofereceu a tantos de forma profunda? Quais são as maneiras pelas quais podemos aprender a escutar?
JM: Que maneira maravilhosa de começar! De certo modo. Porque essa é a pergunta: como aprendemos a escutar? Eu sinto… percebo uma fome e sede nas pessoas de estarem presentes, e não tenho dúvida em minha mente de que nossa presença no mundo é o maior presente que podemos dar. Curiosidade é um caminho bonito, e podemos caminhar o caminho de como escutamos e como ajudamos umas às outras a escutar. Às vezes vejo o caminho em que estamos como tendo um barranco de cada lado onde podemos cair. E um é paralisia, simplesmente travar de medo. E o outro é pânico, histeria social, partir para cima umas dos outras. E aprender a ouvir um pouco, para qualquer um dos lados, te chama de volta.
EM: Então há um livro sentado à sua esquerda que você tem aqui desde que estamos conversando…
JM: Ah, posso te dar o que pensei em algumas linhas? Você pode colocar em uma pequena caixa.
EM: O que pudermos fazer eu acho que seria adorável, mas tenho uma pergunta antes de você ler.
JM: Sim?
EM: Parece que sua relação com Rilke tem sido uma grande parte da sua vida.
JM: Oh, sim. E tem sido tão… Sim e, na verdade, quando encontrei sua poesia pela primeira vez foi nos anos 50, logo depois de eu ter saído do cristianismo. Eu estava na Alemanha. Meu segundo filho havia acabado de nascer, o mesmo que depois escreveu sobre reatores nucleares. E era um dia de neve, e eu entrei numa livraria perto da universidade, e havia este pequeno — ah, eu o tenho aqui. Acho que tenho exatamente… ah, da ist der doch! Das Stunden-Buch. Esse é o livro exato com a antiga caligrafia gótica.
EM: Este é o livro que você encontrou na livraria nos anos 50? E este é um livro que de alguma forma mudou sua vida?
JM: Sim.
EM: E então, o que aconteceu quando você abriu essas páginas?
JM: Peguei-o, abri, e caiu aberto no segundo poema: “Ich lebe mein Leben in wachsenden Ringen/ die sich über die Dinge ziehn.”
Eu vivo minha vida em círculos crescentes
que se estendem pelo mundo.
Posso nunca completar este último,
mas me dou a ele.
Eu circulo em torno de Deus, aquela torre primordial.
Tenho circulado por milhares de anos
e ainda não sei: sou eu um falcão,
uma tempestade, ou uma grande canção?
Eu havia pensado que tinha falhado em meu caminho espiritual. Pensei que meu caminho espiritual fosse linear, que seria como o Pilgrim’s Progress através de várias etapas até a cidade celestial. [Mas] “viver minha vida em círculos crescentes”? Eu disse: “Ah! Posso ter isso.”
Somos tão sortudas por estarmos vivas agora, não é?
EM: De fato somos.
JM: Neste momento, qualquer coisa que alguma vez soubemos amar, e tudo o que alguma vez aprendemos — como buscar coragem e conexão — pode servir.
Essa entrevista é maravilhosa! Grata pela tradução Lama 🙏