Compaixão darwinista
Segue um trecho de A Descendência do Homem, de Charles Darwin, que me chamou atenção ao reler A Revolução do Altruísmo, de Matthieu Ricard.
À medida que o ser humano avança em civilização e que as pequenas tribos se juntam em comunidades maiores, a simples razão indica a cada indivíduo que ele deve estender seus instintos sociais e sua simpatia a todos os membros da mesma nação, embora não sejam pessoalmente conhecidos por ele.
Atingido este ponto, somente uma barreira artificial pode impedi-lo de estender sua simpatia a todos os humanos de todas as nações e de todas as origens. A experiência nos prova, infelizmente, quanto tempo é preciso ainda para considerarmos como nossos semelhantes as pessoas que são diferentes de nós por seu aspecto exterior e por seus costumes.
A simpatia estendida para fora dos limites da humanidade, isto é, a compaixão para com os animais, parece ser uma das últimas aquisições morais. [...] Essa qualidade, uma das mais nobres das quais o ser humano é dotado, parece derivar-se secundariamente da sensibilidade que nossas simpatias vão ganhando à medida que vão se expandindo, terminando por se aplicar a todos os seres vivos. Essa virtude, honrada e praticada por algumas poucas pessoas, se dissemina através da instrução e exemplo aos jovens e, eventualmente, se incorpora à opinião pública.
Darwin acreditava inclusive na inteligência e sensibilidade das minhocas que observava em seu laboratório. Se vivesse hoje, provavelmente defenderia também a compaixão pelo mundo vegetal, já que nos últimos anos foi consolidado o reconhecimento de inteligência e socialização entre plantas — apesar de operarem em outra escala.
O curioso é que a “lei do mais forte” predominante hoje costuma ser justificada em princípios supostamente darwinistas, no que se convencionou chamar de “darwinismo social”. Esse é um dos principais pretextos para toda essa exploração, dominação e destruição que vemos.
O grande cientista deve estar se revirando na tumba.
Já não lembro onde li que o êxito do "darwinismo social" decorre da utilização de um paradigma do liberalismo econômico (concorrencial e individualista) para a explicação da evolução. Ou seja, Darwin projetou a ordem social vigente sobre as suas descobertas, oque possibilitou serem compreendidas. Daí resultou uma "naturalização" das relações capitalistas pela narrativa hegemônica.