E se o fim estiver acontecendo sempre?
Segue abaixo a coluna quinzenal publicada originalmente no Ecoa UOL. Escrevo ali porque o alcance é bastante amplo, mas sempre fico surpreso com a quantidade de anúncios e popups quando desligo o bloqueador de anúncios (aliás, quer uma dica? Use o navegador Brave, que bloqueia anúncios por padrão, é mais seguro e mais rápido).
Então, para quem assina este boletim, segue o artigo sem essas interferências.
E se o fim estiver acontecendo sempre?
O meio ambiente está quase ausente no debate das eleições. O embate partidário sequestrou a conversa. Pode parecer que é um conflito entre destruição e regeneração, mas será que é mesmo? Para mim, as opções soam mais como a questão "continuar a destruição galopante ou voltar para a destruição usual, dos negócios de sempre?"
Modelos regenerativos para a economia, política ou organização social não são discutidos nem em um debate público mais amplo, quanto menos na política tradicional. Parece que chegamos num ponto em que todo esforço está concentrado em simplesmente atenuar um pouco o desastre — no melhor cenário provável, as coisas devem ficar um pouco menos piores.
Claro que eu concordo que vivemos uma emergência política e isso precisa ser corrigido o mais rápido possível. Mas sou um pouco cético sobre a política tradicional. Mesmo os paraísos de bem-estar coletivo — como os países nórdicos onde a social-democracia vingou — vivem sob a bomba relógio do colapso socioambiental e vários outros problemas interligados.
A maioria das gerações passadas imaginou ser a última. Não somos exceção. Hoje realmente parece que chegamos num ápice autodestrutivo. Criado por um grupo de cientistas há 75 anos, o "relógio do fim do mundo" nunca esteve tão perto da meia-noite: desde 2020, ele marca 23h58m20s.
Não quero atenuar as atuais ameaças, mas uma ideia que vem me acompanhando é: "E se o fim estiver acontecendo sempre?"
Indígenas vivem um "fim do mundo" desde a chegada dos colonizadores. Nesta semana, morreu o último representante de uma cultura indígena, que havia sobrevivido sozinho ao assassinato, por fazendeiros, dos últimos membros de seu povo em 1995.
Cada vez mais comuns são os cenários apocalípticos causadas também pelas mudanças climáticas, como o que está acontecendo no leste africano devastado por uma seca assassina, ou no Paquistão afundando em enchentes.
A ameaça do fim, a degeneração constante, parece fazer parte do modo como nossas sociedades estão ocultamente organizadas. Isso é oculto porque, em geral, não é visto. Então o reconhecimento agudo dessa condição poderia nos direcionar coletivamente para o que é realmente importante, assim como ocorre quando somos confrontados individualmente com o fim: no final, o que realmente importa são as pessoas, seres, a própria vida.
Mas seguimos como se tudo estivesse garantido, como se tivéssemos todo tempo do mundo, estando tudo bem, sem nenhuma devastação.
Saber enxergar o fim é um tipo de sabedoria que também poderia ser aplicada em uma esfera ampla. O reconhecimento coletivo dessas ameaças constantes resultaria em ações voltadas para o que realmente importa. Por exemplo, proteger a vida é mais importante que garantir um crescimento econômico que, no fim, beneficia realmente apenas um número minúsculo de pessoas privilegiadas.
Sei que isso é controverso, pois quem defende o crescimento do PIB acima de tudo acredita que essa é a melhor maneira de garantir o bem-estar geral. Isso pode parecer sensato, mas essa ideia vem sendo aplicada politicamente há décadas e, no geral, onde está a melhora? Celulares e eletrônicos definem qualidade de vida?
Então um fator central que impede o reconhecimento do problema e a redefinição de prioridades é a ideia de que tudo está bem do jeito que está; no final, isso garantiria o bem-estar geral.
Ninguém gosta muito de ouvir falar sobre degradação e fim, mas há esse aspecto positivo de reorientação regenerativa, que acaba sendo descartado quando o problema é assim negado. É como no exemplo do vício. Só há possibilidade de cura se houver o autorreconhecimento da adicção, do fato de que a coisa saiu totalmente do controle, em direção à degradação acelerada.
Não é intencional, mas vários dos artigos que escrevo aqui acabam chegando nessa mesma conclusão.
Estamos vagando feito sonâmbulos, em um lento rastejar para o abismo. Coletivamente, falhamos como civilização ou espécie — apesar de todas as conquistas humanas, os danos à vida que causamos como sociedades ainda é maior. Enquanto acharmos que isso tudo são apenas acidentes de percurso — que, no final, serão todos resolvidos — não há chance de solução.
No final, o mesmo tipo de sabedoria individual que resulta em uma vida plena poderia guiar ações coletivas, governamentais, corporativas etc.
O acúmulo de bens materiais não é um fim. Essas coisas todas passam, mas deixam um rastro de destruição. A fixação nelas cria e prolonga sofrimentos imensos. No fim da vida, não é isso que traz a sensação de que valeu a pena.
O que vale a pena são conexões significativas e benéficas com quem amamos. E "quem amamos" não precisa se restringir a parentes e amigos. Quanto maior for esse círculo, maior será o benefício não apenas para si; idealmente, ele poderia se estender a toda a vida ou existência.