Falando com crianças, direito às estrelas, valor da vida e outros links
Seguem links sobre temas relacionados e algumas reflexões.
Transmitir valor às crianças
Nessa conversa entre dois autores que admiro — o escritor e ativista Bill McKibben e o autor do livro The Overstory (que mencionei aqui) Richard Powers —, Bill responde uma pergunta bastante comum hoje: como falar com crianças sobre a atual emergência que vivemos? É algo bem relevante pois são elas que serão privadas de um ambiente que seus antepassados puderam desfrutar muito mais plenamente.
Bill diz que o melhor é nem comentar sobre isso com crianças novas. Vale mais mostrar a elas a beleza natural que ainda existe, o amor por isso, para que também passem a amar. Isso fará com que no futuro se engajem na regeneração. Caso apresentemos a elas a atual morte e degeneração do planeta, provavelmente haverá intensa aversão, já que ninguém normalmente se apaixona por algo moribundo, em estágio terminal.
Uma bela experiência desse tipo:
Seus filhos podem conhecer a Amazônia?
Também adorei esse vídeo sobre a "beleza da Terra", com uma linda canção do M83:
Direito às estrelas
Entre as coisas que estão desaparecendo agora mesmo é a poderosa e ancestral experiência de contemplar diretamente a fatia do cosmos que se abre na noite estelar, já que a maioria das pessoas vive em cidades cuja poluição luminosa bloqueia a conexão.
Um artigo no Outras Palavras reflete sobre esse aspecto da modernização, em que perdemos o acesso a uma das mais profundas fontes de espanto, deslumbramento, humildade e abertura, independentemente de crença ou descrença.
Mesmo para mim, que moro no interior, isso já degenerou bastante, criando um tipo de vazio ou ausência.
Qual vida vale mais?
Essa curta animação do TED ilustra o debate ético-filosófico sobre a predominante noção de que vidas humanas teriam mais valor do que não humanas. Há legendas em português.
Passividade diante da destruição
Ainda com Richard Powers, em outra palestra sobre seu livro, ele comenta um efeito comportamental em que só há a "observação passiva" ("bystander effect") de um perigo, fato observado e estudado em diversas situações humanas.
O exemplo é alguém sofrendo algum ataque e pedindo socorro na frente de um prédio em que moram várias pessoas. Elas escutam o apelo e sentem o impulso de agir. Mas, na grande maioria dos casos, cada uma pensa: "Não sou a única pessoa que está presenciando isso. Há várias outras. Certamente alguém vai ajudar, alguém mais qualificado." E, assim, ninguém se move. Um fator determinante é o grupo, já que quando alguém está sozinho não há esse efeito de inação.
Powers compara essa situação com a atual emergência ambiental. Entre quem vê a situação e se preocupa, a maioria absoluta imagina (ou espera) que os outros vão fazer alguma coisa. Assim, o número de pessoas que se mobiliza nunca atinge a massa crítica necessária para a mudança.
Concordo com a comparação porque eu mesmo me pego nessa atitude.
Repetição de erros do passado
Uma análise de alertas ambientais catastróficos de 40 anos atrás mostrou que quase todos se concretizaram ou estão em curso.
Houve uma indiferença nas últimas décadas que fez com que chegássemos ao nível dos desastres atuais. O mais impressionante é que, agora, com catástrofes batendo na porta, essa mesmíssima indiferença ainda predomina, especialmente na mídia.
Parece que, no geral, não há um reconhecimento de que houve negligência no passado e, assim, isso continua no presente, mesmo diante dos sérios agravamentos.
Dica de livro
O historiador Luiz Marques lançou o livro O Decênio Decisivo: propostas para uma política de sobrevivência, sobre a importância do momento atual para a mitigação das graves consequências ambientais nas próxima décadas. Ainda não comecei a leitura, mas promete ser tão importante quanto a obra anterior, Capitalismo e Colapso Ambiental, que já é um tipo de clássico brasileiro sobre esses temas.
Em entrevista sobre o lançamento, o autor comenta:
— ...estamos diante da maior crise com a qual a humanidade já se deparou. O que me intriga é que se esteja estudando questões menores do que isso, porque essa é a maior questão que temos hoje.
Sonhar é crucial
Para terminar, alguns trechos sobre utopia que grifei no livro A Paradise Built in Hell, de Rebecca Solnit (que comentei no final desse texto):
"Um mapa do mundo que não inclua a Utopia não merece nem mesmo uma olhada, pois deixa de fora o único país para o qual a humanidade está sempre aspirando", escreveu Oscar Wilde.
…
Em um trecho de passagem em Variedades da Experiência Religiosa, (William James) observou:
"Os sonhos utópicos de justiça social aos quais muitos socialistas e anarquistas contemporâneos se entregam, apesar de sua impraticabilidade e não adaptação às condições ambientais atuais, são análogos à crença do santo em um reino dos céus existente. Eles ajudam a quebrar o generalizado reinado do endurecimento e são lentos fermentos para uma ordem melhor".
Essa é uma resposta pragmática: uma Utopia abrangente pode estar fora de alcance, mas o esforço para realizá-la molda o mundo para melhor mesmo assim. A crença pode não ser verdadeira, mas é útil. Acreditar cria o mundo.
Obrigada pelos links! Ontem estava um artigo (The Solipsistic Society) sobre a resistência à mudança e as dificuldades de ações coletivas coordenadas.
Ainda não terminei, mas deixo aqui uma entrevista com o autor que também contém o link para esse texto:
perspecteeva.substack.com/p/frantic-inertia