"Se você me perguntasse 'quem tem causado mais dano à vida no planeta, as empresas de combustíveis fósseis ou as empresas de mídia? Eu diria: 'as empresas de mídia'."
George Monbiot, um dos mais importantes colunistas ambientais, em um episódio do programa de TV canadense Nature of Things, sobre os movimentos climáticos.
No Brasil especificamente, nada de muito efetivo está sendo feito em relação à emergência climática e ecológica porque a opinião pública ainda não acordou para a gravidade da crise.
Por “acordar” me refiro a ligarmos de fato o modo-emergência, e não ficar apenas falando em “reciclagem, consumo consciente, desenvolvimento sustentável” etc… Não que isso seja ruim; pelo contrário, é essencial, mas para lidar com a emergência em que nos encontramos, mudanças de hábitos — além de não terem impacto significativo — desviam o debate, tirando a responsabilidade do governo e das corporações. A culpa recai sobre cada cidadã(o).
Se a opinião pública não reconhece a emergência, não há porque o governo ou empresas se preocuparem. Então é isso o que fazem.
Quem pauta a opinião pública é a mídia, que em geral não informa o nível da gravidade desta crise, quais as causas e como resolver isso — com a exceção de publicações especializadas, que não alcançam o grande público.
Essa cegueira fica ainda pior com a ampla disseminação de desinformação. Por exemplo, será que essa campanha do governo para divulgar “a verdade” sobre a Amazônia convence alguém?
Pior é que sim. Uma recente pesquisa de opinião do Datafolha fez a pergunta:
“Na hora de receber informações sobre Amazônia e meio ambiente, em quem você confia?”
Não é curioso que a imprensa esteja em terceiro lugar, atrás do governo? Afinal não é pela imprensa que as informações dos cientistas chegam? Não apenas. O governo também usa dados supostamente científicos para fazer propaganda. Se somarmos Cientistas e Autoridades… no gráfico acima, isso dá mais de 50%...
Ações sem consciência
Um outro exemplo de como a falta de informação, que deveria ser fornecida pela mídia, cega a opinião pública para a crise ambiental, apareceu em uma pesquisa da Confederação Nacional das Indústrias:
“[sobre a Amazônia] 94% dizem que sua preservação é fundamental para a saúde do meio ambiente no mundo. Somente 50% dos entrevistados, no entanto, se veem afetados diretamente pelos problemas ambientais.”
Metade das pessoas imaginam não estar sendo afetada pela crise ambiental porque o modo como isso acontece não costuma ser noticiado:
uso de combustíveis fósseis e a agroindústria emitem gases...
que causam calor, aumentam queimadas
menos chuva, seca, menos colheitas, alimentos mais caros
com a expansão da agroindústria, menos floresta etc…
Uma outra pesquisa de opinião, no mundo todo, também lançou o Brasil na rabeira no que se refere ao nível de consciência e atitudes diante do colapso ambiental.
Globalmente, essa pesquisa apontou que a maioria (3/4) das pessoas enxerga a responsabilidade humana na emergência climática. No entanto, 62% dos brasileiros pretendem usar mais o carro do que antes da pandemia – o maior índice entre os países. Além disso, 41% dos entrevistados brasileiros planeja viajar mais de avião do que antes.
Causas da omissão
Como tenho familiaridade com a área, por já ter trabalhado alguns anos como jornalista, penso que as causas da cobertura deficiente da mídia, no final, se resumem à falta de ousadia dos veículos de comunicação.
Em geral, a mídia costuma ser pautada pelo restante da mídia — ou seja, se noticia aquilo que todo mundo está noticiando. A exceção fica com as coberturas especiais, um recurso que custa caro para as empresas. E fazer uma cobertura especial sobre um tema que o restante da mídia ignora é algo que poucos veículos arriscam.
Obviamente, há interesses comerciais também. Empresários de mídia são milionários. Por que uma empresa iria contra os interesses de seus donos? Não é toa que a grande imprensa defenda a agenda econômica neoliberal abertamente e com toda força (“deixem as empresas fazerem o que elas quiserem!”). E, apesar de não ser predominante, há também a distorção intencional de fatos para manipular o público.
No entanto, por ser este um momento de urgência e emergência, uma mudança realmente está acontecendo, por enquanto na mídia impressa e online fora do Brasil apenas. Nos EUA (um país campeão em negacionismo climático), por exemplo, grandes veículos como New York Times, The Economist ou até a Bloomberg já estão realmente acordando para a emergência climática, com reportagens bem contextualizadas, que noticiam a gravidade e ligam os pontos. É aí que entra a questão da ousadia e coragem jornalísticas.
Sem mencionar o jornal The Guardian, considerado o veículo mais confiável na Inglaterra e uma liderança mundial em cobertura ambiental. Como a empresa é sustentada parcialmente por uma fundação filantrópica, para que interesses comerciais não contaminem a cobertura, o jornal tem liberdade para colocar a emergência climática como prioridade, tendo inclusive o luxo de recusar publicidade de empresas ligadas a combustíveis fósseis.
Lembro-me por exemplo de um banner no site do Guardian, há uns quatro anos, que dizia algo assim:
“Devido à crise climática, o colapso de nossa civilização está se desdobrando bem na nossa frente. É a notícia do século. Não é incrível que isso não esteja nas primeiras páginas dos outros jornais?”
O que fazer
Sem apoio da opinião pública (e, consequentemente, de uma cobertura responsável da mídia) a causa ambiental tem poucas chances. Então, lidarmos com esse silêncio climático (e ecológico) é crucial.
Nos EUA, por exemplo, há a campanha End Climate Silence, que tem tido algum sucesso em influenciar uma cobertura jornalística na área ambiental que liga os pontos (informando, por exemplo, que aquecimento global é causado por consumo de combustíveis; desmatamento, pela agroindústria etc), entrando em um diálogo com os jornalistas e o público. No entanto, a cobertura televisiva ainda continua omissa.
Já no movimento Rebelião ou Extinção (XR, ou Extinction Rebellion), uma demanda central é “Digam a verdade!”, que pede não apenas para que os governos declarem emergência climática, mas também que a mídia noticie isso com todas as letras. E há também campanhas específicas para a mídia, como esta do XR Washington.
Mandarmos mensagens construtivas para os veículos responsáveis pelas notícias que consumimos sempre ajuda também.
Chamado
Meu objetivo com esta reflexão é levantar o debate sobre como lidar com essa situação no Brasil. Sem uma mudança de orientação na cobertura da mídia, que provoque um despertar da opinião pública, o movimento climático acaba tendo chances muito reduzidas.
Por exemplo, qual a principal diferença entre o movimento ambiental no Reino Unido — onde dezenas de milhares de manifestantes tomando as ruas pelo meio-ambiente se tornou uma elemento urbano comum — e no Brasil? Basicamente, lá a emergência climática é um tópico recorrente no debate público. Até pessoas de orientação política conservadora reconhecem a gravidade e a urgência por medidas.
Quando o público não tem essa consciência, é difícil até de conversar sobre isso, já que muitas pessoas imaginam: “Se isso não está no noticiário, e as outras pessoas não comentam, por que eu deveria me preocupar?”.
Eleições nos EUA
Depois de respirarmos aliviados com a derrota de Trump, e nos regozijarmos com Kamala Harris, a trégua entre Biden e os progressistas está terminando.
O novo presidente se elegeu com o que está sendo chamado de o plano ambiental mais ambicioso de um candidato. Mas colocar tudo isso na prática vai ser um desafio enorme mesmo que ele sinceramente se esforce nessa direção, já que o apoio do Congresso é essencial para as medidas mais abrangentes, como redução massiva de emissões na indústria. Sem falar no lobby da economia fóssil.
A ativista e jornalista canadense Naomi Klein, por exemplo, comentou sobre quão “arriscado” (em inglês) Biden pode ser para as agendas ambiental e progressista em geral.
Mas pelo menos Biden deverá estar mais aberto para ouvir os protestos e manifestantes que se levantarão.
Confira esse novo vídeo com o especialista em sustentabilidade Johan Rockström, da campanha Countdown do TED, sobre a importância dos próximos dez anos para tentarmos assegurar uma Terra habitável para nós.