O que plantas dizem sobre nós
Segue abaixo um artigo/reportagem excelente (em tradução automática, mas bem revisada) sobre como plantas são muito mais do que imaginamos.
Publicado originalmente na revista de divulgação científica Nautilus.
O que plantas estão falando sobre nós
Amanda Gefter 07/03/2023
(25 minutos de leitura)
Nunca gostei de plantas domésticas, até que comprei uma por impulso — uma planta de oração, como era chamada; uma coisa exuberante e frondosa com manchas verdes e costelas de veias vermelhas brilhantes. Na noite em que a trouxe para casa, ouvi um farfalhar em meu quarto. Alguma coisa havia corrido? Um rato? Três noites agitadas se passaram antes que eu percebesse o que estava acontecendo: a planta estava se movendo. Durante o dia, suas folhas ficavam planas, tomando sol mas, à noite, elas se aglomeravam umas sobre as outras em pé, com os caules levantando continuamente enquanto as folhas mudavam para a vertical, como mãos em oração.
"Quem diria que as plantas fazem coisas?", maravilhei-me. De repente, plantas pareciam mais interessantes. Quando a pandemia chegou, trouxe mais plantas para casa, só para dar mais vida ao lugar, e depois vieram mais, e mais ainda, até que a proporção de plantas em relação à superfície da casa beirou o transtorno. Andando pelo meu apartamento, me preocupava se as plantas estavam recebendo água suficiente, ou água demais, ou o tipo certo de luz — ou, no caso de uma planta carnívora gigante pendurada no teto, se eu estava deixando peixe como comida suficiente em suas armadilhas. Mas o que nunca me ocorreu, nem mesmo uma vez, foi imaginar o que as plantas estavam pensando.
Para entender como mentes humanas funcionam, ele começou com as plantas.
Eu era, de acordo com Paco Calvo, culpada de "cegueira vegetal". Calvo, que dirige o Laboratório de Inteligência Mínima da Universidade de Múrcia, na Espanha, onde estuda o comportamento das plantas, diz que ser cega em relação às plantas é não conseguir vê-las como elas realmente são: organismos cognitivos dotados de memórias, percepções e sensações, capazes de aprender com o passado e antecipar o futuro, capazes de sentir e vivenciar o mundo.
É fácil rejeitar essas afirmações porque elas vão contra a nossa principal teoria da ciência cognitiva. Essa teoria é conhecida por nomes como "cognitivismo", "computacionalismo" ou "teoria representacional da mente". Ela diz, em resumo, que a mente está na cabeça. A cognição se resume aos disparos dos neurônios em nossos cérebros.
E plantas não têm cérebro.
"Quando abro uma planta, onde poderia estar a inteligência?", diz Calvo. "Isso é enquadrar o problema a partir da perspectiva errada. Talvez não seja assim também que nossa inteligência funcione. Talvez ela não esteja em nossas cabeças. Se as coisas que as plantas fazem merecem o rótulo de 'cognitivas', então que seja assim. Vamos repensar toda a nossa estrutura teórica".
Calvo também não gostava de plantas. Não no início. Como filósofo, ele estava ocupado tentando entender as mentes humanas. Quando começou a estudar ciência cognitiva na década de 1990, a visão dominante era a do cérebro como uma espécie de computador. Assim como os computadores representam dados em transistores, que podem estar nos estados "ligado" ou "desligado", correspondendo a zeros e uns, acreditava-se que os cérebros criavam representações de dados com os estados de seus neurônios, que poderiam estar "ligados" ou "desligados", dependendo se disparassem. Computadores manipulam suas representações de acordo com regras lógicas, ou algoritmos, e acreditava-se que cérebros, por analogia, faziam o mesmo.1
Mas Calvo não estava convencido. Computadores são bons em lógica, em realizar cálculos longos e precisos — não exatamente a habilidade mais brilhante da humanidade. Seres humanos são bons em outra coisa: perceber padrões, intuir, funcionar diante da ambiguidade, do erro e do barulho. Embora o raciocínio de um computador seja tão bom quanto os dados que você fornece a ele, um ser humano pode intuir muito a partir de apenas algumas dicas vagas — uma habilidade que certamente ajudou na savana quando tínhamos que reconhecer um tigre escondido nos arbustos a partir de apenas algumas listras descontínuas. "Meu palpite era que havia algo muito errado, algo profundamente distorcido sobre a própria ideia de que a cognição estava relacionada à manipulação de símbolos ou à execução de regras", diz Calvo.
Calvo foi para a Universidade da Califórnia em San Diego para trabalhar com redes neurais artificiais. Em vez de lidar com símbolos e algoritmos, redes neurais representam dados em grandes teias de associações, em que um dígito errado não importa, desde que mais deles estejam certos e, a partir de algumas pistas esboçadas — lista, ataque, cor laranja, olho — a rede pode criar um palpite bem decente — tigre!
Redes neurais artificiais levaram a grandes avanços no aprendizado de máquina e no processamento big data mas, para Calvo, elas ainda pareciam muito distantes da inteligência viva. Programadores treinam as redes neurais, dizendo-lhes quando estão certas e quando estão erradas, enquanto sistemas vivos descobrem coisas por si mesmos, e com pequenas quantidades de dados iniciais. Um computador precisa ver, digamos, um milhão de fotos de gatos antes de reconhecer um e, mesmo assim, tudo o que é necessário para fazer o algoritmo tropeçar é uma sombra. Enquanto isso, você mostra a um ser humano de dois anos de idade um gato, joga todas as sombras que quiser, e a criança reconhecerá esse gatinho.
"Sistemas artificiais nos dão boas metáforas", diz Calvo. "Mas o que podemos modelar com sistemas artificiais não é cognição genuína. Os sistemas biológicos estão fazendo algo totalmente diferente."
Calvo estava determinado a descobrir o que era isso, para chegar à essência de como sistemas biológicos reais percebem, pensam, imaginam e aprendem. Humanos compartilham uma longa história evolutiva com outras formas de vida, outras formas de mente, então por que não começar com sistemas vivos mais básicos e trabalhar de baixo para cima? "Se você estudar sistemas que parecem muito diferentes e ainda assim encontrar semelhanças", diz Calvo, "talvez você possa identificar o que realmente está em jogo".
Assim, Calvo trocou as redes neurais por jardinagem. Para entender como mentes humanas funcionam, ele começaria com plantas.
Isso se revelou verdadeiro: as plantas fazem coisas.
Para começar, elas podem sentir o ambiente ao redor. Plantas têm fotorreceptores que respondem a diferentes comprimentos de onda de luz, o que lhes permite diferenciar não apenas o brilho, mas também a cor. Pequenos grãos de amido em organelas chamadas amiloplastos se deslocam em resposta à gravidade, de modo que as plantas sabem qual é o caminho para cima. Receptores químicos detectam moléculas de odor; os mecanorreceptores respondem ao toque; o estresse e a tensão de células específicas acompanham a forma em constante mudança da própria planta, enquanto a deformação de outras monitora forças externas, como o vento. Plantas podem sentir a umidade, os nutrientes, a concorrência, os predadores, os microrganismos, os campos magnéticos, o sal e a temperatura, e podem acompanhar como todos esses fatores estão mudando ao longo do tempo. Elas observam tendências significativas — o solo está se esgotando? O teor de sal está aumentando? — e, em seguida, alteram seu crescimento e comportamento por meio da expressão gênica para compensar.
Plantas podem diferenciar entre si e outro, entre estranhos e parentes.
A capacidade das plantas de sentir e responder ao ambiente que as cerca leva ao que parece ser um comportamento inteligente. Suas raízes podem evitar obstáculos. Elas podem diferenciar entre si e outro, entre estranhos e parentes. Se uma planta se encontrar em uma multidão, ela investirá recursos no crescimento vertical para permanecer na luz; se os nutrientes estiverem em declínio, ela optará pela expansão das raízes. Folhas comidas por insetos enviam sinais eletroquímicos para avisar o restante da folhagem,2 e reagem mais rápido a ameaças se já as tiverem encontrado no passado. Plantas conversam entre si e com outras espécies. Elas liberam compostos orgânicos voláteis com um dicionário, segundo Calvo, de mais de 1,7 mil "palavras" — o que lhes permite gritar coisas que um ser humano poderia traduzir como "lagarta chegando" ou "*$@#, cortador de grama!".
Seu comportamento não é meramente reativo — plantas também se antecipam. Elas podem virar suas folhas na direção do sol antes que ele nasça e rastrear com precisão sua localização no céu, mesmo quando são mantidas no escuro. Elas podem prever, com base na experiência anterior, quando é mais provável que polinizadores apareçam e programar sua produção de pólen de acordo. A forma de uma planta é um registro de sua história. Suas células — moldadas pela experiência — se lembram.
Conversar? Antecipar? Lembrar? É tentador limitar todas essas palavras com aspas, como se elas não pudessem significar para as plantas o que significam para nós. Para as plantas, dizemos, é bioquímica, apenas fisiologia e mecânica bruta — como se isso não fosse verdade para nós também.
Além disso, diz Calvo, o comportamento das plantas não pode ser reduzido a meros reflexos. Plantas não reagem a estímulos de maneiras predeterminadas — elas nunca teriam chegado tão longe, evolutivamente falando, se fossem assim. Ter que lidar com um ambiente em constante mudança e, ao mesmo tempo, estar enraizada em um lugar significa ter que definir prioridades, fazer concessões e alterar cursos em tempo real.
Considere os estômatos: minúsculos poros na parte inferior das folhas. Quando os poros estão abertos, dióxido de carbono entra — isso é bom, é respiração —, mas vapor de água pode escapar. Então, quão abertos devem estar os estômatos em um determinado momento? Depende da disponibilidade de água no solo — se houver muito mais para ser consumido, vale a pena deixar o dióxido de carbono entrar. Se a terra estiver seca, as folhas precisam reter água. Para que as folhas tomem essa decisão, as raízes precisam informá-las sobre a disponibilidade de água. As folhas, por sua vez, comunicam suas próprias necessidades às raízes, incentivando-as, por exemplo, a formar relações simbióticas com micro-organismos específicos no solo.3
Se plantas reagissem às informações sensoriais na base de uma-a-uma — quando a luz faz x, a planta faz y — seria justo pensar nelas como meros autômatos, operando sem pensar, sem um ponto de vista. Mas na vida real, esse nunca é o caso. Como todos os organismos, plantas estão imersas em ambientes dinâmicos e precários, forçadas a enfrentar problemas sem soluções claras, apostando suas vidas à medida que avançam. "Um sistema biológico nunca é exposto a uma única fonte de estímulo", diz Calvo. "Ele sempre tem que fazer concessões entre diferentes opções. Ele precisa de algum tipo de valência (capacidade de combinação), uma perspectiva de nível superior. E essa é a entrada na senciência."
Senciência?
As plantas são inteligentes? Talvez. Adaptáveis? Com certeza. Mas sencientes? Atentas? Conscientes? Ouça com atenção e você escutará o desdém.
Sentir-se viva, ter uma experiência subjetiva do ambiente ao seu redor, ser um organismo cujas luzes estão acesas, onde há alguém em casa — isso é reservado para criaturas com cérebros, ou assim diz a ciência cognitiva tradicional. Segundo a teoria, somente cérebros podem codificar representações mentais, modelos do mundo que os cérebros experimentam como sendo o mundo. Como Jon Mallatt, biólogo da Universidade de Washington, e seus colegas colocaram em sua crítica de 2021 ao trabalho de Calvo, "Debunking a Myth: Plant Consciousness", para ter consciência é necessário "experimentar uma imagem mental ou representação do mundo percebido", coisa que plantas sem cérebro não têm como fazer.4
Mas, para Calvo, esse é exatamente o ponto. Se a teoria representacional da mente diz que plantas não podem realizar comportamentos inteligentes e cognitivos, e as evidências mostram que as plantas realizam comportamentos inteligentes e cognitivos, talvez seja hora de repensar a teoria. "Temos plantas fazendo coisas incríveis e elas não têm neurônios", diz ele. "Portanto, talvez devêssemos questionar a própria premissa de que neurônios são necessários para a cognição."
A ideia de que a mente está no cérebro vem de Descartes. O filósofo do século XVII inventou nossa noção moderna de consciência e a confinou ao interior do crânio. Ele via a mente e o cérebro como substâncias separadas, mas sem acesso direto ao mundo. A mente dependia do cérebro para codificar e representar o mundo ou conjurar seu melhor palpite sobre o que o mundo poderia ser, com base em pistas ambíguas que chegavam por meio de sentidos não confiáveis. O que Descartes chamou de "impressões cerebrais" são as atuais "representações mentais". Como escreve o cientista cognitivo Ezequiel Di Paolo, "a tradição filosófica ocidental, desde Descartes, tem sido assombrada por uma generalizada epistemologia de mediação: a amplamente disseminada suposição de que não se pode ter conhecimento daquilo que está fora de si, exceto por meio das ideias dentro de si."5
A ciência cognitiva moderna trocou o dualismo mente-corpo de Descartes pelo dualismo cérebro-corpo: o corpo é necessário para respirar, comer e permanecer vivo, mas só o cérebro, em seu santuário escuro e silencioso, percebe, sente e pensa. A ideia de que a consciência está dentro do cérebro é tão arraigada em nossa ciência, em nosso discurso cotidiano e até mesmo na cultura popular que parece quase inquestionável. "Simplesmente nem percebemos que estamos adotando uma visão que ainda é uma hipótese", diz Louise Barrett, bióloga da Universidade de Lethbridge, no Canadá, que estuda a cognição em humanos e em outros primatas.
Deveríamos questionar se neurônios são necessários para a cognição.
Barrett, assim como Calvo, faz parte de um número cada vez maior de cientistas e filósofos que questionam essa hipótese, porque ela não está de acordo com a compreensão biológica dos organismos vivos. "Precisamos deixar de pensar em nós mesmas como máquinas", diz Barrett. "Essa metáfora está nos impedindo de compreender a cognição viva e selvagem."
Em vez disso, Barrett e Calvo se baseiam em um conjunto de ideias conhecido como "ciência cognitiva 4E", um termo abrangente para várias teorias que acabam tendo a letra inicial E. Cognição corporificada, embutida, ampliada e enativa ("embodied, embedded, extended, enactive") — o que elas têm em comum (além do E) é a rejeição da cognição como uma questão puramente amarrada ao cérebro. Calvo também se inspira em um quinto E: a psicologia Ecológica, com espírito semelhante ao dos quatro Es canônicos. Trata-se de uma teoria sobre como percebemos sem a utilização de representações internas.
Na história padrão de como a visão funciona, é o cérebro que faz o trabalho duro de criar uma cena visual. Essa história diz que ele precisa fazer isso porque os olhos contribuem com muito pouca informação. Em um determinado foco visual, o padrão de luz em foco na retina corresponde a uma área bidimensional do tamanho de uma unha do polegar à distância de um braço. Mesmo assim, temos a impressão de estar imersas em uma cena tridimensional rica. Portanto, deve ser o cérebro que "preenche" as peças que faltam, fazendo inferências a partir de dados escassos e oferecendo sua melhor alucinação para sabe-se-lá-quem "ver", sabe-se-lá-como.
Remontando ao trabalho do psicólogo James Gibson na década de 1960, a psicologia ecológica oferece uma história diferente. Na vida real, diz a teoria, nunca lidamos com imagens estáticas. Nossos olhos estão sempre se movendo, saltando para frente e para trás em pequenas explosões — chamadas de sacadas ("saccades") — tão rápidas que nem percebemos. Nossas cabeças também se movem, assim como nossos corpos no espaço, de modo que nunca nos deparamos com um padrão fixo de luz, mas com o que Gibson chamou de "fluxo óptico".
"Ver", de acordo com a psicologia ecológica, não é formar uma imagem do mundo em sua cabeça. Ela enfatiza que os padrões de luz na retina mudam em relação aos seus movimentos. Não é o cérebro que vê, mas todo o corpo animado. O resultado de "ver" nunca é uma imagem final para uma mente interna contemplar em sua caverna secreta, mas um envolvimento adaptativo e contínuo com o mundo.
Plantas não têm exatamente olhos, mas os fluxos de luz e energia interferem em seus sentidos e mudam de maneira previsível em relação aos próprios movimentos das plantas. É claro que, para perceber isso, primeiro você precisa perceber que as plantas se movem.
"Se você acha que plantas são sésseis", ou estacionárias, diz Calvo, "apenas sentadas ali, levando a vida como ela vem, é difícil visualizar a ideia de que elas estão gerando esses fluxos".
Plantas parecem sésseis para nós apenas porque se movem lentamente. Movimentos rápidos — como o movimento noturno da minha planta de oração — podem ser realizados alterando o conteúdo de água em determinadas células para mudar a tensão em um caule ou para enrijecer um galho sob o peso de neve pesada. A maior parte do movimento das plantas, entretanto, ocorre por meio do crescimento. Como não podem pegar suas raízes e ir embora, as plantas mudam de local crescendo em uma nova direção. Nós, seres humanos, estamos basicamente presos à forma de nossos corpos, mas pelo menos podemos nos movimentar; plantas não podem se movimentar, mas podem crescer na forma mais conveniente. Essa "plasticidade fenotípica", como é chamada, é o motivo pelo qual é fundamental que plantas possam planejar com antecedência.
"Se você passa todo esse tempo fazendo crescer uma gavinha em determinada direção", diz Barrett, "não pode se dar ao luxo de errar". É por isso que a previsão parece ser muito importante. É como meu avô dizia, talvez todos os avós digam isso: 'meça duas vezes, corte uma vez'. "
A plasticidade fenotípica é um processo poderoso, mas lento — para vê-la, é preciso acelerá-la. Por isso, Calvo faz gravações de lapso de tempo, nas quais o crescimento lento e aparentemente aleatório se transforma no que parece ser um comportamento intencional. Um de seus vídeos de lapso de tempo mostra um feijão trepador crescendo em busca de um poste. A trepadeira circula sem rumo à medida que cresce. Horas são comprimidas em minutos. Mas quando a planta percebe um poste, tudo muda: ela se retrai, como um pescador antes de jogar a linha, depois se lança diretamente para o poste e o agarra.
"Uma vez que o movimento se torna visível ao ser acelerado", diz Calvo, "você vê que certamente as plantas estão gerando fluxos com seu movimento".
Ao usar esses fluxos para orientar seus movimentos, plantas realizam todo tipo de façanhas, como "evitar sombra" — afastando-se de áreas superpovoadas onde há muita competição pela fotossíntese. Plantas, explica Calvo, absorvem a luz vermelha, mas refletem a luz vermelho distante. À medida que uma planta cresce em uma determinada direção, ela pode observar a variação da proporção entre luz vermelha e vermelho distante e mudar de direção caso se depare com uma multidão.
"Elas não estão armazenando uma imagem do ambiente ao seu redor para fazer cálculos", diz Calvo. "Elas não estão fazendo um mapa da vizinhança e traçando onde está a concorrência e depois decidindo crescer na direção oposta. Elas simplesmente usam o ambiente ao seu redor."
Reduzimos o comportamento de uma planta a uma mecânica bruta — como se isso não fosse verdade para nós também.
Isso pode parecer muito diferente de como seres humanos percebem o mundo, mas de acordo com a cognição 4E, os mesmos princípios se aplicam. Seres humanos também não percebem o mundo formando imagens internas. A percepção, segundo os Es, é uma forma de coordenação sensório-motora. Aprendemos as consequências sensoriais de nossos movimentos, o que, por sua vez, molda a forma como nos movemos.
Basta observar um jogador de beisebol pegar uma bola alta.6 A ciência cognitiva padrão diria que o cérebro do atleta calcula o movimento de projétil da bola e prevê onde ela vai cair. Em seguida, o cérebro diz ao corpo o que fazer, sendo o mero resultado de um processo cognitivo que ocorreu inteiramente dentro da cabeça. Se tudo isso fosse verdade, o jogador poderia simplesmente ir direto para esse local — correndo em linha reta, sem precisar observar a bola — e pegá-la.
Mas não é o que os jogadores fazem. Em vez disso, eles movimentam o corpo, constantemente se arrastando para frente e para trás e observando como a posição da bola muda à medida que se movem. Eles fazem isso porque, se conseguirem acompanhar a velocidade da bola de modo fixo em seu campo de visão, e anular a aceleração da bola com a sua própria, eles e a bola acabarão no mesmo lugar. O jogador não precisa resolver equações diferenciais em um modelo mental — o movimento de seu corpo em relação à bola resolve o problema em um envolvimento ativo, em tempo real. Como escreveu o roboticista do MIT Rodney Brooks em um artigo de referência de 1991, "Intelligence Without Representation", "Representações explícitas e modelos do mundo simplesmente atrapalham. Acaba sendo melhor usar o mundo como seu próprio modelo."7
Se a cognição é corporificada, embutida, ampliada, enativa e ecológica, então o que chamamos de mente não está no cérebro. É o envolvimento ativo do corpo com o mundo, construído não apenas com disparos neurais, mas com loops sensório-motores que percorrem cérebro, corpo e ambiente. Em outras palavras, a mente não está na cabeça. Calvo gosta de citar o psicólogo William Mace: "Não pergunte o que está dentro de sua cabeça, mas o que é isso onde sua cabeça está dentro."
Quando me deparei pela primeira vez com as teorias 4E, não pude deixar de pensar na consciência. Se a mente é corporificada, embutida, ampliada etc, a consciência — essa coisa mágica e nebulosa — vaza do confinamento craniano, permeia o corpo, se derrama como fumaça dos ouvidos e verte para o mundo? Mas então reconheci que essa maneira de pensar era um tipo de ressaca da visão tradicional, em que a consciência era tratada como um substantivo, como algo que poderia ser localizado em um lugar específico.
"A cognição não é algo que as plantas — ou mesmo os animais — possam ter", escreve Calvo em seu novo livro, Planta Sapiens.8 "É algo criado pela interação entre um organismo e seu ambiente. Não pense no que está acontecendo dentro do organismo, mas sim em como o organismo se acopla ao seu ambiente, pois é aí que a experiência é criada."
A mente, nesse sentido, é melhor entendida como um verbo. Como diz o filósofo Alva Noë, que trabalha com cognição incorporada, "a consciência não é algo que acontece dentro de nós: é algo que fazemos."9
E fazemos isso para continuar vivendo. A necessidade de permanecer viva, de persistir em condições adversas — é isso que nos separa das máquinas. A "cognição selvagem", como diz Barrett, é mais parecida com a chama de uma vela do que com um computador. "Somos processos contínuos que resistem à segunda lei da termodinâmica", diz ela. Somos velas que trabalham desesperadamente para se reacender, enquanto a entropia faz o possível para nos apagar. Máquinas são construídas — uma é feita e pronto —, mas seres vivos fazem a si mesmos e precisam se refazer enquanto quiserem continuar vivendo.
Senti-me como uma forma de vida ativa, com gavinhas e estranha.
Os biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela — pais fundadores da cognição corporificada e enativa — criaram o termo "autopoiese" para captar essa propriedade de autocriação. Uma célula — a unidade fundamental da vida — serve como o principal exemplo.
Células são formadas por redes metabólicas que produzem os próprios componentes dessas redes, inclusive a membrana celular, que a rede constrói e reconstrói continuamente; enquanto a membrana, por sua vez, permite que a rede funcione sem escorrer de volta para o mundo. Para manter seu metabolismo em funcionamento, a célula precisa estar em constante troca com o ambiente, extraindo recursos e jogando fora os resíduos, o que significa que a membrana precisa permitir que coisas passem por ela. Mas ela não pode fazer isso indiscriminadamente. A célula precisa tomar uma posição em relação ao mundo, vê-lo como um local de valores, cheio de coisas que são "boas" e "ruins", "úteis" e "prejudiciais", sendo que esses termos nunca são absolutos, mas dependentes das necessidades da célula e da dinâmica do ambiente, ambas em constante mudança.
Essas valências (capacidades de combinação), diz Calvo, são os estímulos da senciência. São distinções que esculpem — ou "encenam" ("enact", no sentido de "viver ou encenar um papel") — um mundo em um processo que os cientistas cognitivos da 4E chamam de "criação de sentido". O ato de fazer distinções sobre capacidades de combinação no mundo, que permitem que você estabeleça a fronteira entre si e outro, é o ato cognitivo primordial do qual derivam todos os níveis mais elevados de cognição. O mesmo ato que mantém vivo um sistema vivo é o ato pelo qual, como diz Noë, "o mundo aparece para nós".
"Você começa com a vida", diz Evan Thompson, filósofo da Universidade de British Columbia e um dos fundadores da abordagem enativa. "Estar vivo significa estar organizado de uma determinada maneira. Você está organizado para ter uma certa autonomia, e isso imediatamente cria um mundo ou um domínio de relevância." Thompson chama isso de "continuidade vida-mente". Ou, como diz Calvo, ecoando o psicólogo do século XIX Wilhelm Wundt, "Onde há vida, já há mente".
Sob a perspectiva da 4E, mentes vêm antes dos cérebros. Cérebros entram em cena quando há organismos multicelulares e móveis — não para representar o mundo ou dar origem à consciência, mas para forjar conexões entre os sistemas sensoriais e motores de modo que o organismo possa agir como um todo singular e se mover pelo ambiente de forma a manter sua chama acesa.
"O cérebro é fundamentalmente um órgão regulador da vida", diz Thompson. "Nesse sentido, ele é como o coração ou o rim. Quando há vida animal, ele é crucialmente dependente da regulação do corpo, de sua manutenção e de todas as suas capacidades comportamentais. O cérebro está facilitando o que o organismo faz. Palavras como cognição, memória, atenção ou consciência — para mim, essas palavras são aplicadas adequadamente a todo o organismo. É todo o organismo que está consciente, não é o cérebro que está consciente. É todo o organismo que presta atenção ou se lembra. O cérebro torna a cognição animal possível, ele a facilita e possibilita, mas não é o local dela."
Um pássaro precisa de asas para voar, diz Thompson, mas o voo não está nas asas. Asas sem corpo em um pote nunca poderiam voar — é o pássaro inteiro, em interação com as correntes de ar moldadas por seus próprios movimentos, que voa para o céu.
O que modelamos com sistemas artificiais não é cognição genuína.
"Plantas são uma estratégia de multicelularidade diferente de animais", diz Thompson. Elas não têm cérebro, mas, de acordo com Calvo, têm algo igualmente bom: sistemas vasculares complexos, com redes de conexões dispostas em camadas não muito diferentes do córtex de mamíferos. No ápice da raiz — uma pequena região na ponta da raiz de uma planta — sinais sensoriais e motores são integrados por meio de atividade eletroquímica usando moléculas semelhantes aos neurotransmissores de nossos cérebros, com células vegetais disparando potenciais de ação semelhantes aos de um neurônio, só que mais lentos. Assim como o cérebro humano, o ápice da raiz permite que a planta integre todos os seus fluxos sensoriais a fim de produzir um novo comportamento que gerará novos fluxos de forma a manter a planta adaptativamente acoplada ao mundo.
As funções semelhantes desempenhadas pelo sistema nervoso de um animal e pelo sistema vascular de uma planta ajudam a explicar por que os mesmos anestésicos podem colocar animais e plantas para dormir, como Calvo demonstrou usando uma dioneia (planta apanha-moscas) em um frasco de vidro. Normalmente, as armadilhas da planta se fecham quando um infeliz inseto aciona um de seus pelos sensores, que se projetam da boca da armadilha como dentes de tubarão. (Na verdade, a planta inteligente aguarda o acionamento de um segundo fio de pelo, alguns segundos após o primeiro, antes de gastar a dispendiosa energia para morder. Uma vez fechada, ela aguarda mais três acionamentos — para garantir que haja um inseto decente zumbindo lá dentro — antes de liberar enzimas ácidas para digerir sua refeição. Como Calvo resume, "elas sabem contar até cinco!") Usando eletrodos de superfície, Calvo observou como os pelos acionados enviavam picos elétricos pela planta, fazendo com que seu sistema motor reagisse. Com a anestesia, tudo isso parou. Calvo fez cócegas nos pelos da armadilha e ela ficou ali parada, com a boca aberta. A linha de leitura do eletrodo permaneceu reta.
"A anestesia impede que a célula dispare um potencial de ação", explica Calvo. "Isso acontece tanto em plantas quanto em animais." Não é que o anestésico esteja abaixando o volume da consciência dentro do cérebro ou do ápice da raiz, ele está apenas cortando as ligações entre as entradas sensoriais e as saídas motoras, impedindo que o organismo se envolva como um todo singular com seu ambiente. No entanto, uma vez "acordadas", as dioneias grogues voltavam rapidamente ao comportamento habitual.
"Claramente", diz Thompson, "plantas se auto-organizam, se auto-mantêm, se auto-regulam, são altamente adaptáveis; elas se envolvem em sinalização complexa entre si, dentro das espécies e entre as espécies, e fazem isso dentro de uma estrutura de multicelularidade que é diferente da vida animal, mas exibe todas as mesmas coisas: autonomia, inteligência, adaptabilidade, percepção". Do ponto de vista da 4E, diz Thompson, "não há problema algum em falar sobre cognição vegetal".
No final das contas, os críticos de Calvo estão certos: plantas não estão usando o cérebro para formar representações internas. Elas não têm mundos privados e conscientes trancados dentro delas. Mas, de acordo com a ciência cognitiva 4E, nós também não.
"O erro foi pensar que a cognição estava na cabeça", diz Calvo. "Ela pertence à relação entre organismo e seu ambiente."
Depois de conversar com Calvo, olhei ao redor de meu apartamento repleto de plantas — com pothos e bromélias, mandevillas e samambaias staghorn, lírios-da-paz e coroas-de-cristo, nas plantas-cobra, Monstera, ZZs e palmeiras — e, de repente, elas pareceram muito diferentes. Por um lado, Calvo havia me dito para pensar nas plantas como se estivessem de cabeça para baixo, com suas "cabeças" mergulhadas no solo e seus membros e órgãos sexuais saltando para fora e balançando. Quando você olha para uma planta dessa forma, é difícil deixar de vê-la. Mas, mais especificamente, as plantas agora não apareciam como objetos, mas como sujeitos — como seres vivos e esforçados tentando sobreviver no mundo — e me peguei perguntando se elas se sentiam sozinhas nos vasos, se entravam em pânico quando eu esquecia de regá-las ou se ficavam tontas quando eu as girava no parapeito da janela.
Não eram apenas as plantas. Também me sentia diferente: menos como um espectadora passiva, aconchegada dentro do meu crânio, e mais como uma forma de vida ativa, com gavinhas e estranha, movendo-me pelo mundo enquanto o mundo se movia por mim.
"Plantas não são tão diferentes de nós no final", Calvo me disse, “não porque eu esteja aumentando-as para torná-las mais semelhantes a nós, mas porque estou repensando o que é a percepção humana. Não estou inflando-as nem reduzindo-nos, mas colocando todos nós na mesma página”.
Era difícil não se perguntar se, a partir dessa mesma página, a história do nosso planeta poderia se desenrolar de forma diferente. As abordagens "E" nos pedem para questionar o que somos, o quanto estamos intimamente ligados ao mundo e se seria correto nos ver como separadas da natureza, ou se a destruição que causamos está diminuindo constantemente nossa própria cognição selvagem.
"A natureza humana", escreveu John Dewey, o filósofo pragmatista, "existe e opera em um ambiente. E ela não está ‘dentro’ desse ambiente como moedas estão em uma caixa, mas como uma planta está na luz do sol e no solo. Ela é deles."10
Amanda Gefter escreve sobre ciência. É a autora de Trespassing on Einstein's Lawn. Mora em Watertown, Massachusetts (EUA).
Ilustrações de Deena So'Oteh.
Referências
Gefter, A. The man who tried to redeem the world with logic. Nautilus (2015).
Pennisi, E. Plants communicate distress using their own kind of nervous system. Science (2018).
Tsikou, D., et al. Systemic control of legume susceptibility to rhizobial infection by a mobile microRNA. Science 362, 233-236 (2018).
Mallatt, J., Blatt, M.R., Draguhn, A., Robinson, D.G., & Taiz, L. Debunking a myth: plant consciousness. Protoplasma 258, 459-476 (2021).
Di Paolo, E. Sensorimotor Life Oxford University Press, Oxford, United Kingdom (2017).
Wilson, A.D. & Golonka, S. Embodied cognition is not what you think it is. Frontiers in Psychology 4, 58 (2013).
Brooks, R.A. Intelligence without representation. Artificial Intelligence 47, 139-159 (1991).
Calvo, P. Planta Sapiens: The New Science of Plant Intelligence W. W. Norton & Co, New York, NY (2023).
Noë, A. Out of Our Heads Hill and Wang, New York, NY (2010).
Dewey, J. Human Nature and Conduct: An introduction to social psychology H. Holt and Company, New York, NY(1922).